O dia é simplesmente de exaltar o frevo. E a reverência será feita por representantes de todas as outras manifestações culturais do estado, capoeiristas, papangus, passistas e bonecos gigantes. Mas o público ou a essa altura, folião, também está convidado. Na região central do Recife, dois cortejos e um arrastão prometem não deixar ninguém parado. Os primeiros acordes sairão simultaneamente das praças Sérgio Loreto e Maciel Pinheiro, levando o ápice à Avenida Dantas Barreto, onde mais de 33 grupos celebraram juntos o aniversário do ritmo, à noite.
A intenção é conduzir a multidão pelas ruas dos bairros São José, Santo Antônio e Boa Vista e antecipar o frevor do Galo. O cortejo que sairá da frente do Palácio do Galo, na Praça Sérgio Loreto, levará os estandartes dos blocos Vassourinhas e Batutas de São José, além da orquestra do Maestro Nunes. E o maior folião será o Homem da Meia-Noite que dividirá espaço com a Bicharada de Salgueiro, os Caretas e os Caiporas. O segundo cortejo terá a presença de estandartesda Pitombeira e do Bloco das Flores, além do peso do boneco gigante do Menino da Tarde.
Os cortejos, coordenados pela Fundarpe, se encontrarão na Rua da Imperatriz com o arrastão guiado pela Troça Carnavalesca Mista O Cachorro do Homem do Miúdo. O grupo será homenageado pela Prefeitura do Recife pois também fará 100 anos hoje. No arrastão, mais de 100 passistas, a frevioca, entre outras atrações. Quem tiver fôlego pode começar a se esquentar na concentração. Os grupos sairão da Rua Rego Melo, nos Coelhos, às 14h, em direção aos dois grupos que se encontrarão na Rua da Imperatriz.
Hoje é dia de assoprarmos as velinhas dos 103 do ilustre aniversariante, mas a festa segue amanhã, na Casa do Carnaval, onde serão lançados dois produtos importantes dentro dessa finalidade da proteção. O primeiro é um CD com 120 partituras antigas, dentre as 1.200 que foram recuperadas e digitalizadas pela gerência de Patrimônio Imaterial da Prefeitura do Recife. Há também um livro que conta a história da troça O cachorro do homem do miúdo. Mas, se por um lado, não faltam exemplos de projetos para resguardar o frevo, ainda está muito longe do ritmo recuperar o valor que teve no seu tempo áureo.
Todo ano é a mesma queixa: não há renovação do frevo, as músicas são sempre as mesmas e, ainda assim, tocam muito pouco. A verdade é compartilhada por todos os envolvidos com a cadeia produtiva do frevo, maestros e intérpretes. Segundo eles, música nova existe sim. Compositor novo também. Mas como as rádios não tocam, o povão não conhece. Consequentemente, os executores (orquestras e cantores) não querem colocar no seu repertório uma música que ainda não está conhecida.
"O frevo precisa ser difundido. As rádios só tocam uma semana antes do carnaval. O maior inimigo do frevo é a rádio e a televisão. Tocar frevo novo é se preparar para tomar uma vaia. Por isso a gente só toca mesmo as antigas. Quem tem frevo novo, não consegue tocar. Frevo da lua (composição nova de Alceu Valença) não tocou em canto nenhum, e se tocar o povo vai achar ruim", diz o maestro Duda, que gravou com sua orquestra a música nova de Alceu.
Alceu Valença conta que fez a composição depois que viu uma nota num jornal, que dizia não existir frevos novos no carnaval. Ele mesmo confessa, no entanto, que é difícil emplacar com uma nova, quando não se conta com o apoio das rádios. "Eu tenho tantas músicas que posso tocar, por que vou tocar o que ninguém conhece? Só se tiver alguma divulgação", diz. "Gravei esse frevo com Maurício Oliveira, que é meu baixista e Gabriel Moura. O que aconteceu? Não sei se está tocando". O CD, que não está sendo vendido, foi feito para divulgação nas rádios e também pode ser baixado no site do cantor. Alceu defende que o frevo tem que ter plano de difusão ousado. Como tocar no carnaval da Bahia, assim como as músicas da Bahia tocam na nossa folia.
O compositor J.Michiles, que ano após ano fez músicas de carnaval (muitas gravadas por Alceu Valença), também sofre com a relação comercial que hoje impera nas rádios e impede que tradições musicais importantes tenham a mesma visibilidade que as "dez mais" de suas programações. Michiles venceu o primeiro lugar do Concurso de Músicas Carnavalescas do Recife, no ano do centenário, com o frevo-canção Moleque Centenário. Depois, venceu outro concurso, em Olinda, com o frevo Olinda Capital Brasileira da Cultura. De lá para cá compôs outros frevos, como Escandalosa, que ficaram restrito aos circuitos dos festivais. Ninguém conhece as músicas. Para viver do frevo, ele prefere trabalhar o CD Asas do Frevo, com composições suas mais famosas, lançado no Carnaval de 2007 e até hoje sucesso de vendas.
O compositor Bia Assunção, dono do bloco Esperança, do bairro de Campo Grande, tem dezenas de composições de frevo de bloco. Em 2007 também foi vencedor, em primeiro lugar nessa categoria, do concurso da Prefeitura, com a música Inocentes. De lá para cá, mesmo tendo escrito várias músicas novas nunca mais venceu outro concurso ou teve suas músicas projetadas. "Ainda tem essa questão. Não faltam músicas, nem compositores, mas ainda temos que passar pela barreira dos que sempre são reconhecidos como os ícones", diz Bia. O frevo não precisa se renovar, isso está acontecendo. O frevo só precisa ser tocado.
Fonte:
www.correiobraziliense.com.br
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