Manoel de Barros 92 anos, tem cerca de 20 livros publicados e vive em Campo Grande.
Documentarista de segunda viagem, o carioca criado em Pernambuco Pedro Cezar tem-se mostrado capaz de reverter as expectativas sobre os assuntos que aborda. Em seu filme de estreia, "Fábio Fabuloso" (2005), perfil de um surfista brasileiro conhecido internacionalmente, ele conseguiu despertar o interesse até de quem nunca pegou uma onda, devido à criatividade da linguagem do filme, que usava o cordel como recurso. Tanto deu certo que "Fábio Fabuloso" saiu do Festival do Rio e da Mostra Internacional de São Paulo com o prêmio de público.
Em seu segundo filme, "Só Dez Por Cento É Mentira", retrato do poeta matogrossense Manoel de Barros que estreia em São Paulo e venceu o prêmio de melhor documentário no Festival de Paulínia 2009, o desafio do diretor é vencer o que ele considera um preconceito tanto contra o gênero documentário, como contra a poesia. Para isso, ele conta com a própria recusa de fazer "um filme poético" e também com o carisma de seu personagem. "Manoel é apaixonante", define o cineasta, em entrevista ao UOL Cinema. Abaixo, os principais trechos de sua conversa.
UOL Cinema - Você fez uma transição cinematográfica curiosa, de "Fábio Fabuloso", um surfista, ao Manoel de Barros, um poeta. Como foi isso?
Pedro Cezar - Na verdade, eu pego onda desde os 10 anos. Gosto muito de surfe e também sou um leitor de poesia. Tenho dois livros publicados. Acho que não tem transição, porque são dois assuntos que me interessam muito como tive muita sorte de fazer dois filmes sobre duas pessoas que eu não me incomodaria absolutamente de ser durante alguns dias. Já pensou? Eu gostaria muito de entrar numas cinco ondas com aquela fluidez do Fabinho. E escrever poesia como o Manoel.
UOL Cinema - O que lhe chama a atenção no estilo do Manoel?
Pedro Cezar - A forma como ele se expressa me ensinou que muita coisa não é imprescindível, como sempre me disseram: rima, métrica, o assunto. As frases loucas dele, as inversões, como "minha maçã come Eva". Esse cara é muito visual, muito imagético. E tudo que eu via na obra dele não me falaram nas aulas de literatura. Foi uma coisa que chegou na minha mão sem ser indicação de um professor. Hoje o Manoel se aprende na escola mas na minha época não se aprendia. Na melhor das hipóteses, se lia Manuel Bandeira, Carlos Drummond, Cecília Meirelles. E os parnasianos... Na minha época era: "Minha terra tem palmeiras/onde canta o sabiá".
UOL Cinema - Como você o conheceu?
Pedro Cezar - Eu ganhei o "Livro sobre Nada" quando completei 30 anos. Aí eu li - isso foi em 96. Fiquei supermobilizado para publicar meu próprio livro, rever minhas coisas. Aí resolvi ler tudo o que aquele cara escreveu. Descobri o "Livro das Ignorâncias". Mais piração ainda. Passam-se um ou dois anos e vou parar numa oficina de poesia, com a Elisa Lucinda. Nos tornamos grandes amigos e ela me botou num dos recitais dela. E eu fui dizendo uma poesia do Manoel chamada "Bernardo". A Elisa conseguiu trazer o Manoel para assistir ao recital. E me deu a missão de buscá-lo no aeroporto. Eu dei pra ele um versinho meu. Entre esse momento e eu ir bater na porta dele para fazer o filme foram sete ou oito anos, sempre encontrando com ele.
UOL Cinema - Mesmo assim, você conta no filme que foi difícil convencê-lo a fazer o documentário. Por quê?
Pedro Cezar - Eu mesmo agi acreditando que não ia dar certo. Ele me dizia: "Pra que você quer minha cara, essa ruína, se você tem minha obra ? O melhor que eu posso produzir está ali. Você quer conversar comigo para quê?" Eu tentava convencê-lo de que as pessoas queriam ver o autor dos versos. Ele continuava negando. Mesmo quando eu dizia que talvez fosse chamar um ator para fazer o papel dele e que este precisaria ter um material como base. Ele continuava resistindo: "Faz a tua pesquisa de outro jeito". Eu tinha desistido. Aí aconteceu de eu falar a palavra "sonho" e ele ficou misericordioso. E me mandou voltar no dia seguinte.
UOL Cinema - No filme viveu-se um momento dramático, da morte do filho do Manoel. Como foi isso?
Pedro Cezar - Foi um acidente mesmo da vida. O João tinha 50 anos de idade, era trabalhador, ocupado, bon vivant. Era um sujeito muito cativante. Fazendeiro, como o Manoel, e era o cara que viabilizava esse ócio que permite ao Manoel escrever. Tinha interesse pela obra do pai, tinha sensibilidade. Tanto que muitas frases dele entraram na obra do Manoel. Quando criança, quem falava coisas do tipo "vou puxar o vento pelo rabo" era ele. O Manoel dava o tratamento dele, mas em estado bruto foi o João quem falou muita coisa que o Manoel publicou até no livro "Poeminhas pescados numa fala de João".
Ele pilotava um aviãozinho. No dia do acidente, levava um possível comprador para um pedaço da fazenda. Apareceu um bezerro, ele arremeteu. Quando voltou, o bezerro entrou de novo na pista de pouso, aí não teve jeito. Foi uma comoção. Era tão idolatrado quanto o pai. E o Manoel teve que lidar com esse filme tendo acontecido isso, ele e a mulher totalmente destruídos.
UOL Cinema - Quem é aquele personagem que cria os objetos malucos, os "desobjetos"?
Pedro Cezar - Aquele cara é um ator. E as coisas que ele está mostrando foram feitas pelo Marimba, que é um artista plástico que mora no Rio e adora a obra do Manoel. Os "desobjetos" foram uma encomenda nossa. Aí apareceram o esticador de horizontes, o alicate cremoso, o aparelho de ser inútil...As explicações dele eu gravei e serviram de orientação para o ator, Paulo Giannini. Que foi, aliás, o último que chegou a um teste de elenco. Só depois eu descobri que ele tinha feito um monólogo sobre o Manoel, chamado "O Homem de Barros", e excursionado o Brasil inteiro.
UOL Cinema - Você mesmo admite que documentários sobre poesia tem má imagem junto ao público. Por que?
Pedro Cezar - Geralmente, o pessoal joga filme de poesia tudo no mesmo saco. Falou "documentário sobre poesia", espantou o contribuinte. Primeiro, porque é documentário, palavra que significa: "eu vou estudar". Qual é antônimo de entretenimento? Documentário. (ri) Aí vem outra coisa. Sinônimo de chatice? Poesia. Documentário poético, então, seria o estudo sobre uma coisa chata. Daí a dificuldade de mandar alguém que não seja mais uma das que santificam o Manoel de Barros para assistir ao filme. O que me anima é a reação das pessoas que tem visto o filme nos festivais em que ele passou. Elas até saem do filme e vão comprar os livros, como contaram para a gente no debate em Paulínia.
Fonte: www.midianews.com.br
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